Crystal Mountain – Lunatic Asylum Release #001

Nosso primeiro lançamento era chamado Crystal Mountain, em homenagem a uma música da banda Death. Era um single malt de 11 anos, destilado em 2013 na destilaria original da Union em Veranópolis. A gente considera esse whisky produto de uma ghost distillery, já que os alambiques usados pra sua produção não existem mais —eles eram muito menores, com
lyne arms incrivelmente descendentes, parecidos com os usados na produção de rum jamaicano, e que usavam worm tubs no processo de condensação.

Maturado inteiramente em barris ex-Bourbon de primeiro ano, nos armazéns da destilaria nova de Bento Gonçalves. Inicialmente queríamos usar ele para fazer alguma finalização em barris de
vinho, mas depois de provar mais algumas vezes, concluímos que ele já estava perfeito assim.

Sem filtragem, cor natural, com a graduação máxima permitida de 54%.

302 garrafas de 700ml, vendidas no final de 2024 (já esgotadas).

Tasting Notes:

Frutado, com notas de pêssego em caldo, frescor e corpo de marmelo, carvalho americano bastante presente. O retrogosto lembra um Calvados antigo.

Ou, na linguagem dos lunáticos: POP!

Rolha em uma mão, garrafa na outra. Sou invadido pelo aroma levemente ácido de cerejas e framboesas doces, toques de canela assando ao lado de uma bancada de madeira regada por incontáveis doses de bourbon servidas às pressas - estou salivando antes de me dar conta disso.

A taça se enche de uma cor que desafia a lógica de um único barril de bourbon, embora o leve toque químico de dolvente traga a mente de volta à realidade. Sua coroa tem poucas lágrimas que se recusam a escorrer, rindo da gravidade. Suas mechas ruivas enchem a noite de perfume doce e me arrastam para um lugar assombrado – assombroso.

Verdejante e esquecido, algo que já foi um jardim enorme, coberto de plantas que cresceram selvagens. Montanhas bloqueiam o vento do norte, o ar tem o cheiro verde de tomilhos e alecrins secos por dias de sol, a terra úmida tem aroma adocicado e mineral. Mãos delicadas, esbanjando perfume floral, me puxam… sinto o cheiro do esmalte em seus dedos.

Abacaxis com hortelãs assam dentro da casa velha. Uma fruteira de bananas maduras além do ponto quase passa desapercebida. As paredes de madeira manchadas escondem fungos que brotam nos cantos mais escuros, cuja presença não consegue ser totalmente escondida pelo cheiro ainda morno de compotas de frutas recém preparadas.

A cozinha tem o cheiro de facas maliciosamente afiadas e aventais de couro manchados de suor há muito seco.

Ahhhh seu beijo queima… começando do fundo da língua, indo a ponta enquanto um fogo delicado desce pela garganta. Minha boca se enche de seu perfume. Baunilha em sua pele, impossível não engolir seco. O leve amargor mostra que o sorriso de seus lábios não alcança seus olhos acobreados, olhos que me fazem lembrar de avisos e alertas “você não estaria correndo em direção a algo do qual deveria fugir?”.

Onze anos confinados à essa casa de madeira acabam afetando a mais sóbria das mentes. Eras se passam e sinto a boca cheia de cerejas. Pela janela o ar carrega a promessa de uma chuva que nunca chega. Na distância as montanhas refletem a luz que as nuvens deixam passar.

Acendo um cigarro, o tabaco quente combina maravilhosamente com as visões daquilo que cresce dentro das montanhas.

Golden Mouth of Ruin – Lunatic Asylum Release #002

Nosso segundo lançamento era chamado Golden Mouth of Ruin. Para esse engarrafamento, selecionamos um whisky jovem da Union que nos lembrava bastante o perfil de um Ben Nevis—bastante sulfuroso, quase salgado, com notas de shoyu e missô. Era um whisky destilado em 2018, com 5 anos, maturado em barris de carvalho americano de reuso.

Fizemos, então, uma finalização de 13 meses em um barril de carvalho europeu usado maturação de vinho Nebbiolo (variedade de usa usada para produzir o Barolo na Itália). O barril era da vínicola Viapiana de Flores da Cunha – RS e foi preenchido com o whisky no mesmo dia em que foi esvaziado.

Na Escócia (ou na maioria dos países produtores de whisky), os barris de vinho usados precisam viajar longas distâncias até serem preenchidos com whisky. Isso faz com que o vinho ali
dentro perca seu frescor ou até possa sofrer algum tipo de contaminação. Por estarmos na Serra Gaúcha e termos uma relação próxima aos produtores de vinho, conseguimos coordenar esse processo e encher os barris de vinho com whisky rapidamente, preservando assim todo o frescor frutados dos vinhos e trazendo isso para os whiskies.

Sem filtragem, cor natural, com a graduação máxima permitida de 54%.

349 garrafas de 700ml, vendidas no começo de 2025.


Tasting Notes:

A luz está diferente, não é o dourado alegre de um dia nascendo, mas um pesado, denso… pinta a tudo com um tom quase acobreado, aquela sensação onírica que te faz aceitar com naturalidade os tons carregados que chegam aos olhos.

O vinhedo ao redor parece uma miragem evocada pelo cheiro azedo de uvas maduras e terra seca. Quando tento focar a visão eles desaparecem - surge a memória de um sanduíche de geléia de framboesas que não me lembro de ter comido. Pensar nas framboesas só faz as uvas voltarem a surgir nos cantos da visão periférica.

O fundo do nariz arde, não é uma sensação ao todo desagradável.

No centro daquele oceano etéreo de uvas fantasmas deve haver uma casa. Algo trazido do velho mundo pelo cheiro da madeira. Fecho os olhos e respiro, as uvas e a terra me invadem, junto com o
mato que cresce aqui e lá, ganhando força em seu abandono. Ervas verdes de jardim, um doce de menta que surge por trás do louro e do alecrim esquecidos ali e os afoga.

Dentro da casa canela seca e bananas passas enchem o ambiente preenchido por poltronas de couro que evocam incontáveis charutos fumados. Inconscientemente passo os dedo ano nariz, saem limpos. Como pude confundir o cheiro de morangos maduros em poças de água estagnada com sangue? As coisas mudam rápido nessa casa, nesse sonho, mas algo que parece ser muito velho está esperando, se erguendo lentamente, sem pressa.

O piso de madeira parece não ser encerado há eras, mas cada prego traz aquela impressão de ter sido escovado até brilharem, aquele cheiro metálico dançando em algumas partes e só nelas… não, meu nariz não está sangrando. No meio das pequenas nuvens de poeira em espiral, cheias de nuances de cravos, algo vivo e doce e fresco e verde, quase disfarçam o cheiro do porão, cujas paredes devem estar cobertas de fungos negros.

A saliva lava minha memória da geléia, enche minha mente de aromas afiados, parecem cavar seu caminho rumo à superfície conforme o tempo vai passando. Algo seco e adstringente, delicada e impossivelmente doce, enche a minha boca. A imagem de rolhas velhas aparece por trás de meus olhos, o porão seria uma adega?

Bananas cozidas, água estagnada, menta seca… maravilhosamente claustrofóbico, um sorriso amarelado, imemorial, violento e convidativo. Minha língua se afoga, os lábios de esticando enquanto o ardor do fundo da garganta regurgita maravilhosas notas de baunilha, pimenta, caramelo azedo e uvas em decomposição.

Ele tem a violência que apenas a juventude tem, mas uma profundidade inexplicável que apenas o isolamento e o abandono são capazes de arrancar do espírito. Um sorriso amarelado começa a surgir na minha frente, poderia jurar que deixa escapar o hálito de carne velha. preciso de um tempo para perceber que sou em quem sorri, a boca cheia daquele dourado impossivelmente velho, inconcebivelmente jovem.

Only Ash Remains – Lunatic Asylum Release #003

Nosso terceiro lançamento vem coberto de cinzas. Selecionamos um whisky turfado da destilaria Union com maturação de 6 anos e meio em barris de carvalho americano com um perfil muito elegante, uma turfa terrosa e frutado bem presente. Nos armazéns da Lunatic Asylum transferimos esse whisky para um barril de vinho Pinot Noir da vinícola Vinhas do Tempo que foi esvaziado no mesmo dia. Com esse barril fresco conseguimos trazer notas de frutas vermelhas do vinho, sem nenhum tipo de contaminação e notas avinagradas. O tempo total de finalização foi de 7 meses, tempo que consideramos que o whisky chegou num equilíbrio perfeito entre a turfa e esse frutado fresco, sem excesso de extração do carvalho europeu do barril de vinho.

Sem filtragem, cor natural, com a graduação máxima permitida de 54%.

295 garrafas de 700ml, vendidas na metade de 2025.


Tasting Notes:

Notas defumadas elegantes, em equilíbrio com um frutado pronunciado de framboesa, morango e
maçã cozida.

Ou, como os lunáticos diriam:

O céu plúmbeo lembra que o medo nunca abandona totalmente a alma. Não são nuvens bloqueando o sol, mas cinzas que caem delicadas como flocos de neve.

Partículas de luz dançam na escuridão, como o doce envolto na fumaça áspera. Algo verde e oleoso, como limões sobre um tapete de palha que não foi tocado pelo fogo.

Rubro, antigo e vivo, o aroma de vinhas assombradas pelo tempo parece vivo como um fantasma que dança na neblina.

É assim, como as órbitas vazias que sorriem para mim, que a lembrança do vinho surge.

Diante do prédio carbonizado, coberto de cinzas e do cheiro de incenso velho.

Iodo e borracha velha enchem meus pulmões, carne doce tocada pelas chamas há muito tempo.

Os esqueletos me recebem com seu hálito mineral, exala o perfume da terra que se recusa a aceitá-los.

É assim, como um banquete servido pelo tempo, frutas vermelhas ao redor de um pernil, regado com mel e temperado com tomilho e especiarias, que o vinho que embala.

Um momento congelado no tempo, paralisado, traz lembranças de favos de baunilha secando sob o sol em uma cama de cereais.

Mas a fumaça nunca abandona.

Adentrando minhas narinas, sutil e
presente.

Ignoro o demônio que, passando de um para outro carvalho, se infiltra na clareira chamuscada que me cerca.

Galhos se movem naquele cinza sem vento. Evocam o aroma de madeira, amarga, adocicada e selvagem e do tabaco de mil cigarros fumados.

Recoberta por algo metálico e deliciosamente amargo, minha língua saliva, se pergunta se as pedras
chamuscadas diante de mim teriam sido um velho hospital, ou outro local que as pessoas buscassem atrás de cura.

Então as brasas se acendem, vivas, quentes. Inspiro fogo que escorre pela garganta me enchendo de vida novamente. Cascas de frutas cobertas com canela me fazem pensar no oceano que cobriu a terra antes que a vida ousasse surgir.

Já não luto mais, não há sentido. Me sento entre os ossos sorridentes e bebo com eles, deixo a lembrança do calor do fogo que consumiu tudo aqui me aquecer. Trocamos histórias antigas, algumas que nunca aconteceram em terras que nunca foram a pátria de ninguém.

As cinzas continuam caindo, dançando sem peso no ar, me tornando mais próximo de meus anfitriões.